L’ Amour

O Amor é algo incompreensível e indefinível. Toda vez que alguém tenta descrevê-lo ou defini-lo, acaba sendo vago demais. “Amor é fogo que arde sem se ver” não quer dizer muito. Se fôssemos definir o amor de uma forma mais científica, acabaríamos nos referindo a ele como conseqüência de um conjunto de reações químicas no cérebro. Besteira. Só se pode falar do amor por exclusão ou através de suas conseqüências.

É irônico que seja eu, dentre todos os escritores deste blog, quem decidiu postar sobre este tema. Afinal, meus textos em geral têm linguagem rebuscada e versam sobre algum assunto arcano que interessa apenas a meia dúzia de gatos pingados em algum lugar deste mundo, que por um acaso são aqueles que podem rebatê-los tranqüilamente.

Um texto sobre um tema universal e subjetivo é muito mais próximo do Andrei, nosso escritor de vidroporcelana, ou do Murilo, o mais humano (e mundano) de nossos autores. O Alessandro, em seus textos delirantes, também poderia tangenciar um tema tão inexato, e o Fábio também tem a sua produção mais melosa – apesar de, sensatamente, enviá-la apenas para as destinatárias.

Mas cá estou eu, escrevendo sobre o tema mais subjetivo e meloso a passar por este blog, e ainda por cima tentando evitar de escrever de uma forma rebuscada demais. Pessoas mudam, assim como estilos de escrita. Para não fugir muito da minha forma usual, tentarei adotar uma abordagem mais ou menos racional – se é que é possível -, e me utilizarei de muitos exemplos; alguns de minha vida, alguns de leitores ou escritores.

O Amor é algo muito diferente da paixão. Um pertence apenas ao plano das idéias, enquanto o outro é uma conseqüência da natureza animal do ser humano. A paixão visa apenas satisfazer as necessidades reprodutivas do ser humano – ou os impulsos pela reprodução -, a busca de um parceiro com características físicas atraentes para uma eventual prole. Já o amor é a busca por algo mais.

O Amor é algo que vai contra os instintos naturais. Como animais, deveríamos buscar sempre os parceiros mais aptos, para garantir uma prole forte e saudável. No entanto, não é isso o que acontece. Muitas vezes, o Amor surge em locais inesperados, de formas inesperadas e por motivos inesperados. Nem sempre o coração escolhe a pessoa que, por critérios objetivos apenas, seria a melhor opção.

O Amor é uma coisa confusa. Às vezes, ele aparece de mansinho, por sobre uma amizade que já existia há eras. Outras vezes, é algo súbito e instantâneo, aparecendo numa troca de olhares, em um sorriso, em uma música. De vez em quando, procuramo-no onde ele não existe, ou em lugares inusitados. Ou então, de forma completamente oposta, ele surge onde menos esperávamos, e só percebemos quando é tarde.

Amar é ter medo. Medo de que a pessoa amada não corresponda aos sentimentos. Medo de falar algo idiota e estragar tudo. Medo de expôr o que realmente se sente. Medo de que talvez aquela não seja a pessoa certa. Medo de perder a pessoa amada. Medo do futuro. Medo de ter medo. E o medo é o assassino da mente. Quantas oportunidades não perdemos simploesmente por medo?

Apesar de todos os temores, amar é um ato de coragem. É estar disposto a se abrir inteiramente (sim, inclusive na conotação maliciosa, dependendo das preferências de cada um) a uma outra pessoa, a abandonar totalmente o decoro. Ao amar, entramos em um território completamente não mapeado, esperando que tudo dê certo.

Como nem tudo na vida dá certo, o amor às vezes acaba. Paulo Mendes Campos escreveu um belo texto sobre isso. O problema é quando, apesar de tudo o que aconteceu, ele não acaba. Quando, mesmo após uma grande traição (uma não, duas!), ainda atendemos o telefone, em meio aos frios prédios de uma cidade hostil.

Quando, por não aceitar que as coisas nunca mais serão as mesmas, tentamos nos convencer que odiamos a pessoa a quem dedicamos tanto de nossas vidas – mesmo que por apenas alguns meses -, proferindo tantos insultos e palavras mordazes, mas sem nunca conseguirmos nos afastar de quem amamos.

Quando nada mais parece fazer sentido, agora que a pessoa se foi, é um problema. Algumas vezes, o amor que um dia existiu acaba sendo trocado por rancor ou por obsessão. Outras, tentamos construir um muro em torno de nossos sentimentos, para nunca mais nos machucarmos tanto. Nem sempre é fácil aceitar que a vida continua.

Mas continua. E, às vezes, o verdadeiro amor consiste em simplesmente deixar partir. Como disse Raul, “Amor só dura em liberdade/E o ciúme é só vaidade”. Por vezes, precisamos reconhecer que, se realmente amamos uma pessoa, a melhor solução é nos afastarmos.

Nem sempre somos as pessoas ideais para quem amamos. Alguns ririam da noção de idealidade. Mas, afinal, o que é o amor se não uma idealização? Sem um forte componente de sonho, ele se torna algo indistinto da paixão carnal. Então, sometimes love requires letting go.

Não só de pesar é feito o amor. Afinal, como disse Cícero, haveria maior prazer no mundo que encontrar uma alma amiga? Alguém com quem compartilhar as angústias e triunfos, mesmo que por apenas alguns momentos? Para podermos suportar a realidade, precisamos de algo que nos ampare.

Amar é não saber o que vem adiante, e não se importar. Afinal, temos um porto seguro ao qual retornar. É estar pronto para arriscar tudo, até a si mesmo, por outra pessoa. Certamente não é algo tão leviano quanto as inúmeras declarações de amor que vemos durante a vida nos levam a crer.

Pode-se passar uma vida inteira sem nunca amar de verdade. No entanto, tal vida seria algo extremamente triste. E besta.

Listening to: Summer ’68 – Pink Floyd

7 Responses to L’ Amour

  1. Ludovico DeLarge disse:

    Me surpreendo cada vez mais com seus textos. GENIAL!

  2. Vivi disse:

    O texto está simplesmente maravilhoso e original, Marco.
    Vc realmente se superou no estilo objetivo, e fico feliz por vc estar explorando campos por essas bandas tão loucas como o amor.

    Beijos =*

  3. Além da citação de um dos meus textos favoritos, alguns dos causos favoritos também. Acho que mais citações que esse, só o do russo, da origem de tudo.

    [Chuchu_mode ON]Bão demais![Chuchu_mode OFF]

  4. Murilo disse:

    Bão demais o texto!! Doidimais mesmo =]
    suhsAUhsauhsUHA

    Como o Porcelana disse, as citações foram muito boas. Confesso que tive um acesso de riso na parte do “um não, dois!”, além de alguns risos por outras partes do texto.

  5. Bia Miscow disse:

    Vc está de parabéns, Marco. Escreve muitíssimo bem! Adorei o texto ;D

  6. […] deviations. A convict pessimist, his texts – especially the ones about more subjective themes, like L’Amour -, are marked by his disbelief in mankind. When writing poetry, Marco prefers to do some bizarre […]

  7. […] Há algum tempo, escrevi um post sobre o amor. Tentei fazer uma análise o mais objetiva possível desse tema, mas, fazendo uma análise a […]

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