Entre o final da década de 1940 e o começo da década de 1950, Alfred Kinsey, tido como o pai da sexologia (campo de estudos de nossa atual Ministra do Turismo), fez uma extensa pesquisa sobre os hábitos sexuais da população americana, que culminou na publicação de Sexual Behavior in the Human Male ( 1948 ) e Sexual Behavior in the Human Female (1953), obras que, por terem catalisado uma reflexão ampla sobre o sexo, contribuíram para tornar socialmente aceitáveis certas práticas sexuais tidas anteriormente como “anormais”.
Durante sua pesquisa, Kinsey criou uma escala para quantificar a opção sexual dos entrevistados em algum ponto entre 0 (completamente heterossexual) e 6 (completamente homossexual). Porém, uma porcentagem dos entrevistados não se encaixava em nenhum ponto dessa escala – ou seja, não possuíam “contatos ou reações sócio-sexuais.” Esses indivíduos recebiam uma classificação especial como “X”, mas o estudo de Kinsey sobre o tópico parou por aí.
O tema da assexualidade só seria novamente abordado em 1977, em Asexual and Autoerotic Women: Two Invisible Groups. Em tal paper, a autora faz uma diferenciação entre mulheres autoeróticas (que se masturbam, porém não possuem desejo por sexo) e mulheres assexuadas (que, além de não possuírem desejo sexual, também não possuem impulso por masturbação) – atualmente, ambos os grupos são considerados “assexuais”. Desde então, várias pesquisas foram feitas sobre a assexualidade.
Terminada a introdução histórica, podemos partir para uma definição do que seria a assexualidade (Apesar de o nome ser praticamente auto-explicativo.) Assexual é a pessoa que não sente atração sexual, seja por pessoas de mesmo sexo ou pessoas de outro sexo. Tendo feito a obrigatória definição, restam alguns pontos a ser clarificados:
Assexualidade não é a mesma coisa que celibato. O celibatário é alguém que se abstém da atividade sexual, seja por vontade própria (como no caso de alguém que assume um voto de castidade), seja por outros fatores. Já a pessoa assexual não sente vontade de fazer sexo, o que inclui tanto pessoas que abominam a idéia de relações sexuais quanto aquelas que simplesmente são indiferentes a estas.
Assexualidade não impede a pessoa de desejar relacionamentos. Normalmente, o comportamento assexual é algo que vem da própria pessoa – ela simplesmente não sente atração sexual por outras, o que não a impede de formar vínculos afetivos com outras pessoas. On the other hand, a incapacidade de formar vínculos afetivos com outras pessoas também não é um indício de assexualidade: o filósofo Wittgenstein, tido como um exemplo de portador da síndrome de Asperger, teve vários affairs homossexuais. A única diferença entre os relacionamentos de assexuais e o de pessoas “normais” é que aquelas se focarão nos aspectos não-eróticos da relação: proximidade, comunicação e todas aquelas outras coisas que o pensamento hetero-normativo em culturas latinas rotularia como baitolice.
Assexualidade não implica ausência de excitação: Apesar de assexuais não sentirem impulso por sexo, alguns experimentam excitações ocasionais. Porém, no caso de assexuais, isso não costuma estar associado ao desejo sexual, sendo puramente biológico. Além disso, não é algo que ocorra com todos os que são identificados como assexuais, como é visível pela divisão inicial entre assexuais e autoeróticos.
Assexualidade não é doença (normalmente): Em condições normais, a assexualidade não é oriunda de condições médicas. Porém, em alguns casos, a perda do impulso sexual pode ser oriunda de condições clínicas mais profundas. Além disso, quando o caráter assexual de uma pessoa interfere no seu relacionamento com uma pessoa *-sexual, isso é classificado como Desordem de Desejo Sexual Hipoativo, considerada como uma desordem mental pelo DSM-IV.
Uma vez que a maior parte dos estudos quantitativos costuma ser superficial, dividindo a população em heterossexuais e GLBT (ou seja lá qual for o acrônimo da semana), tem-se a impressão de que a assexualidade é um fenômeno raro; dessa forma, muitos assexuais acabam sofrendo um preconceito até mesmo maior do que aquele dirigido a homossexuais e bissexuais.
Porém, os poucos estudos especificamente voltados para o fenômeno da assexualidade parecem indicar que o fenômeno é muito mais comum do que se pensa. Com base em uma pesquisa feita na Inglaterra, Anthony F. Bogaert estimou que cerca de 1.05% da população é assexual, índice muito próximo ao de pessoas homossexuais. Pouco depois, Prause e Graham traçaram um perfil do “assexual médio”, com base em questionários-padrão; sua pesquisa apresentou uma proporção maior de assexuais, mas isso pode se dever ao espaço amostral menor (18.000 no estudo de Bogaert, 1.146 no estudo de Prause e Graham.)
O número de pessoas que se declaram assexuais cresceu com o advento da internet. O surgimento de sites como o da ASEN (Asexual Visibility and Education Network) proporcionou aos assexuais aquilo que os homossexuais e bissexuais já tinham há algum (pouco) tempo: uma comunidade que os ajude a “sair do armário”, um meio em que encontrem pessoas que não vão as hostilizar por conta de sua opção com relação ao sexo. Com isso, a tendência é que a porcentagem da população que se declara assexual cresça e ganhe destaque.
A assexualidade é um “fenômeno” relativamente comum, mas pouco estudado pelos pesquisadores ao redor do mundo. Porém, com o aumento do interesse da academia sobre o tópico e o aumento do número de pessoas que se consideram assexuais, espera-se obter um melhor entendimento sobre o assunto, aumentando a compreensão que temos sobre a sexualidade humana.
Bibliografia:
-BOGAERT, Anthony F.: Asexuality: prevalence and associated factors in a national probability sample, Journal of Sex Research, August 2004.
-PRAUSE, Nicole & GRAHAM, Cynthia A.: Asexuality: Classification and Characterization, Kinsey Institute, 2007.
-ASEN (Asexual Visibility and Education Network): http://www.asexuality.org
-Research on Asexuality in Asexual Explorations: http://asexystuff.blogspot.com/2008/10/research-on-asexuality.html